Antes, valia o período de 2 de julho de um ano a 1º de julho do ano seguinte para que os precatórios fossem apresentados pela Justiça e incluídos no Orçamento da União, para serem pagos no ano seguinte. A PEC antecipou esse prazo para o dia 2 de abril de cada ano.
O ano de 2022, por isso, é uma exceção e marca a transição no calendário anual: a inscrição dos precatórios na fila de pagamentos do ano que vem começou em 2 de julho de 2021 e termina em 2 abril de 2022. A PEC reduziu, portanto, para nove meses o período em que é possível incluir os pedidos de pagamento das dívidas.
Em anos anteriores, no mês de julho já havia corrida de advogados e clientes para garantir que o processo entrasse no lote de recebimento no ano seguinte. Quem não tiver o precatório incluído até o prazo só poderá entrar em listas posteriores de pagamentos, ou seja, a partir de 2024.
A dois meses para o fim do prazo, é pouco provável que seja incluído no lote quem ainda não venceu a causa em todas as instâncias, diz o advogado previdenciário Rômulo Saraiva. "Quem ainda não ganhou dificilmente vai conseguir rodar todo o processo para aproveitar o prazo de 2 de abril. Pode acontecer, caso uma proposta de acordo interessante seja feita e aceita pelas partes, mas não é comum."
Os advogados ouvidos estimam que processos envolvendo as dívidas da União, especialmente as previdenciárias, levam de dois a dez anos para serem concluídos na Justiça.
Quem pode entrar na lista de 2023 Os precatórios são dívidas da União acima de 60 salários mínimos (R$ 72.720 em 2022).
Estarão aptos a receber aposentados, pensionistas e outros beneficiários do INSS que ganharam em todas as instâncias o direito ao dinheiro e cuja ação já passou da fase de execução (em que o Judiciário faz cálculos do quanto é devido). Para entrar na lista de 2023, é preciso ter um precatório com ordem de pagamento expedida por um juiz entre 2 de julho de 2021 e 2 de abril de 2022.
"Primeiro, a Justiça avalia se a parte de fato tem direito ao que reivindica. Depois, analisa: o cidadão tem o direito, mas quanto ele custa? São aplicadas as multas e correções. Só aí entra-se na fila para receber", diz Saraiva.
Acordos e agilidade podem viabilizar entrada na lista Saraiva recomenda que aqueles que ainda não entraram na lista de 2023 busquem auxílio de seu advogado sobre quais medidas podem ser tomadas para agilizar o processo, como a aceitação parcial de acordos propostos pela outra parte, se for considerado vantajoso e viável. "Poucos sabem desse recurso. Mas se eu pedi, por exemplo, R$ 100 e o governo contrapropôs com R$ 80, posso pedir para entrar na lista do próximo ano para receber os R$ 80 que concordamos ser devido e abrir uma requisição à parte, depois, para solicitar os R$ 20 restantes."
A advogada previdenciária Amanda Kravchychyn também recomenda que o interessado busque cumprir o mais rápido possível as partes que lhe cabem no processo. "Mas para quem ainda não ganhou o processo, é mais complicado. Depende sempre da agilidade da outra parte também."
Quem entra na lista não tem pagamento garantido em 2023 Ainda há dúvidas sobre o pagamento em 2023. "Antes não era assim, todo precatório inscrito era pago no exercício seguinte", diz a advogada previdenciária Adriana Bramante.
A PEC dos Precatórios criou limites para seu pagamento, que em 2022 totalizam cerca de R$ 45 bilhões. Também instituiu uma lista de prioritários.
A partir de 2022, deve receber primeiro, nessa ordem: quem ganhou causas menores (as chamadas Requisições de Pequeno Valor, de até 60 salários mínimos), idosos acima de 80 anos e aqueles com doenças crônicas e quem venceu causas em valor máximo de até 180 salários mínimos.
Mas não está claro ainda como será o pagamento de quem ficou no final da fila e não recebeu no ano anterior, pois o teto foi atingido. "A fila recomeça por quem estava no final? Ou volta para os primeiros da fila, mais prioritários? Não sabemos. É uma situação triste, porque a pessoa pode ter esperado anos para ganhar a causa e agora o pagamento também é indefinido", diz Bramante.
Como consultar se a ação virou um atrasado "Os sites dos seis TRFs geralmente possuem um link chamado Precatórios, onde é possível pesquisar pelo CPF se o Precatório ou RPV já foi expedido", diz Bramante. Com o número do processo, é possível ver as informações públicas da ação e verificar se o atrasado já foi autuado pela Justiça e a data em que esse pedido de pagamento ocorreu. Mais detalhes podem ser acessados com a ajuda do advogado responsável pela ação.
Redução do prazo Para especialistas, a mudança no calendário foi adotada para restringir o volume e possibilitar o adiamento do pagamento de precatórios devidos pelo governo.
"Não tem um argumento de ordem técnica, até porque o Orçamento é fechado até o final do ano e, como aconteceu nesse ano, a lei orçamentária é sancionada, muitas vezes, em janeiro. O prazo em julho era razoável. O objetivo, acredito, foi diminuir a quantidade de precatórios e, consequentemente, de valores a serem pagos", diz o advogado previdenciário Roberto Santos. "Mas acaba sendo um tiro no pé, porque eles serão inscritos depois, mas terão que ser pagos mais cedo ou mais tarde. Vai criar uma bola de neve."
Em nota, o TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) afirmou que o volume de precatórios apresentados até 2 de abril deve ser menor que o dos anos anteriores, "tendo em vista o prazo mais curto para que as varas federais concluam processos em curso e expeçam o correspondente precatório".
Tribunais seguirão novo prazo O CJF (Conselho da Justiça Federal) afirmou, em nota, que "o prazo do dia 2 de abril, por ser decorrente de um dispositivo de emenda constitucional, não necessita de regulamentação, sendo portanto autoaplicável". Afirmou ainda que "assim, todos os Tribunais Regionais Federais deverão observar o prazo da Emenda Constitucional n. 114/2021, independentemente de edição de dispositivo pelo CJF."
A Folha entrou em contato com os Tribunais Regionais Federais da 1ª a 5ª Região, que afirmaram que seguirão a nova data estabelecida em 2 de abril pelas emendas constitucionais 113 e 114, de 2021.
O TRF-1 (responsável pelos processos no Distrito Federal, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Piauí, Maranhão e toda região Norte) afirmou que as determinações das emendas ainda não foram objeto de regulamentação pelo CJF e CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para aplicação no âmbito dos tribunais, mas sua validade é imediata.
O TRF-3 (que atende São Paulo e Mato Grosso do Sul) divulgou que uma reunião de grupo de trabalho sobre o tema no CJF, no início de fevereiro, deve criar as normas definitivas para as alterações, dado que as mudanças são recentes.
Em 13 de janeiro, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) entraram com Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) contra as mudanças nas regras para o pagamento dos precatórios.
Fonte: Folhapress